20 janeiro 2006

Na ilha por vezes habitada do que somos,
há noites, manhãs e madrugadas
em que não precisamos de morrer.
Então sabemos tudo do que foi e será.
O mundo aparece explicado definitivamente
e entra em nós uma grande serenidade,
e dizem-se as palavras que a significam.
Levantamos um punhado de terra e apertamo-la nas mãos.
Com doçura.
Aí se contém toda a verdade suportável:
o contorno, a vontade e os limites.
Podemos então dizer que somos livres,
com a paz e o sorriso de quem se reconhece
e viajou à roda do mundo infatigável,
porque mordeu a alma até aos ossos dela.
Libertemos devagar a terra
onde acontecem milagres como a água, a pedra e a raiz.
Cada um de nós é por enquanto a vida.
Isso nos baste.

Na ilha por vezes habitada - José Saramago

17 janeiro 2006

"Depois que um corpo
Comporta outro corpo
Nenhum coração
Suporta o pouco"

Alice Ruiz
Dentro de nós tem uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos.

José saramago - Ensaio Sobre a Cegueira

16 janeiro 2006


"Lo obsceno no es la pornografia, sino que la gente muera de hambre"
"Porn is not obscene, starvation is"
"Obsceno não é a pornografia, mas sim que as pessoas morram de fome"

José Saramago

*essa frase foi dita em um dos seus discursos, mas infelizmente não consegui encontrar a referência completa. Ainda assim gostaria de compartilhá-la. Sigo em busca da fonte exata.
"Lóri, disse Ulisses, e de repente pareceu grave embora falasse tranqüilo, Lóri: uma das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de. Apesar de, se deve comer. Apesar de, se deve amar. Apesar de, se deve morrer. Inclusive muitas vezes é o próprio apesar de que nos empurra para a frente. Foi o apesar de que me deu uma angústia que insatisfeita foi a criadora de minha própria vida. Foi apesar de que parei na rua e fiquei olhando para você enquanto você esperava um táxi. E desde logo desejando você, esse teu corpo que nem sequer é bonito, mas é o corpo que eu quero. Mas quero inteira, com a alma também. Por isso, não faz mal que você não venha, espararei quanto tempo for preciso."

Clarice Lispector - "Uma aprendizagem ou o Livro dos Prazeres"

11 janeiro 2006

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,

Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda

Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.


AUTOPSICOGRAFIA - Fernando Pessoa

05 janeiro 2006

deep inside i am a feline

Desculpa repetir aqui o mesmo conteúdo do flog overboeaverba, mas fiquei tão orgulhosa da minha produção de hj...

deep inside i am a feline
eating and hunting sleeping and loving
meowing for the dearest attention purring in thankful pleasure
shutting out the mediocre
I love to be alone
I hate to be lonely
I adore who deserves my love
I honor the grateful for my presence
I am loyal to whom is loyal
I am vulnerable to whom is open
to my c(rude) honesty,
to my insecurities,
to my sorrow and euphoria.
no height is too high
no opponent is too strong
I am brave
for i am not afraid to live
deep inside i am a feline
(juliana kumbartzki)


como um felino
ignoro os indignos de presença
tolero a mão que me alimenta
amo apenas quem eu amo
como um felino
ataco os ameaçadores
beijo meus devotos
caço minhas presas
como um felino
sou verdadeiro
não abano o rabo a quem me aprisiona
mas (cedoutarde) esmago sua infâmia
como um felino
sou manso entre cordeiros
e traiçoeiro entre víboras
como um felino
sou rei
sou soberano
como um felino no cio
amo em estéreo

(juliana kumbartzki)
como o fermento para o pão
assim sois vós para comigo
uma força latente
que puxa e empurra
cada qual a sua necessidade
um vento cortante
que puxa e empurra
cada qual a seu desafio
como a fêmea que pari para o rebento
assim sois vós para comigo
uma força determinada
que puxa e empurra
ora ao peito, ora à vida

juliana kumbartzki
madrugada 4-5 jan 2006

03 janeiro 2006

...feliz ano novo..

"Quem teve a idéia de cortar o tempo em fatias,
a que se deu o nome de ano,
foi um indivíduo genial.

Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar
no limite da exaustão.

Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos.
Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez,
com outro número e outra vontade de acreditar que
daqui pra diante vai ser diferente"

Cortar o Tempo - Carlos Drummond de Andrade

01 janeiro 2006

sobre santidade


se dou pão ao pobre me chamam de santo.
se pergunto por quê o pobre não tem pão me chamam de comunista.

D. Hélder Câmara