(meus alunos do ano passado, do bairro da Tapera no Sul da Ilha, durante um passeio no Parque Ecológico do Córrego Grande)
Ultimamente tenho me sentido “colocada à prova” todos os dias. Não sei bem como explicar o que estou querendo dizer. Sei apenas que tenho ainda muito o que aprender. Tenho muito o que ler, saber e refletir sobre a realidade do meu povo, do meu país, e principalmente das minhas idéias.
Nasci em uma família esquisita. Acho que todas as famílias são esquisitas, em maior ou menor grau. Mas de alguma forma meus pais me passaram alguns valores dos quais não consigo, e nem quero, me desvencilhar. Me ensinaram que eu devia “fazer o bem sem olhar a quem”, que devia aprender a ter opiniões formadas sobre tudo o que via ou lia, que ser “marginal”, estar “à margem”, nem sempre quer dizer ser “criminoso”.
Também estou desiludida com o atual governo. Também fico me perguntando o que aconteceu com todos os meus sonhos, a minha fé e a minha “esperança de vencer o medo”. Estou decidida a votar nulo nessa eleição. Porque acredito que pelo menos a minha consciência ninguém pode me tirar. Por mais decepcionada que possa estar, ainda não consigo me arrepender de desde sempre ter sido eleitora do PT.
Estive lendo o blog do jornalista Reinaldo Azevedo. “A vanguarda da direita”. E por mais que tenha me sentido uma estúpida por não conseguir formular nenhuma frase inteligente pra postar no seu blog, dizendo o quanto o acho [pausa... não encontro adjetivo que não seja ofensivo] senti uma necessidade absurda de reencontrar as minhas raízes.
Quando penso no rumo que quero para o meu país, não consigo pensar em outra coisa senão nos movimentos sociais, nas lutas de base, no contato direto com o povo. Ok, já entendi que o povo não toma as rédeas da situação se não por intermédio dos “intelectuais da classe média burguesa”. Mas se essa classe média burguesa está preocupada em promover a vida do povo, é com ela que eu estou. É do lado do Frei Betto, é do lado do MLST, é do lado do Movimento Sem-Teto, da Via Campesina. Estou do lado dos ataques à Aracruz. Estou do lado dos manifestantes que quebraram ônibus. Sim! Eu aprendi que às vezes é necessário estar à margem. Nas minhas veias corre um sangue que não acredita na elite, que não acredita na direita, que não acredita no capitalismo. Sei que pode parecer um tanto hipócrita essa minha afirmação considerando que, quem me conhece um pouquinho só sabe que sou viciada em Coca-Cola. Feio, né? Sim, horrível. Financiadora da Guerra do Iraque. Talvez depois de escrever esse texto eu sinta tanta vergonha que não tenha mais coragem de beber sangue iraquiano engarrafado.
Mas ainda assim eu preciso voltar ao que acredito. Eu preciso voltar no tempo, quando tinha meus 15 anos e li pela primeira vez a carta que uma prima minha (mais velha um pouco, prima da minha mãe, na verdade) escreveu, em 1972, de dentro do Pavilhão Feminino do Presídio Tiradentes, onde estava presa e havia sido torturada mais de uma vez, por acreditar que a forma como a classe dominante, a “democracia cristã”, como ela mesma coloca, levava o nosso país ao “progresso” alijava o povo brasileiro de qualquer decisão e perspectiva de futuro. Acho que foi ali que alguma coisa dentro de mim mudou de cor. E desde então eu não consigo acreditar que a “direita” desse país possa ter boas intenções quanto ao futuro do seu povo.
A realidade dos meus alunos, jovens e adultos excluídos da sociedade, os marginais, que não aparecem nos posts de um Reinaldo Azevedo, que só aparecem nos jornal nas páginas policiais (não, ninguém imagina como doeu meu coração quando vi a foto de um dos meus melhores alunos preso por porte de drogas e armas) me faz ter cada vez mais certeza disso. É mais fácil criticar o governo do que olhar de perto o que acontece com o povo. Não venha me dizer que era neles, nos meus alunos, que o Reinaldo Azevedo estava pensando quando “denunciava” que o patrimônio do Lula, do Marcus Valério ou do José Dirceu dobrou nos últimos quatro anos. (Reinaldo Azevedo é um. Foi o que deu azar de desencadear tudo o que eu estou sentindo. Da página dele fui abrindo muitas outras que só me deram mais medo e raiva...)
Não tenho as respostas, muito menos as soluções. Não tenho grandes vocabulários ou grandes argumentos fantásticos pra contrapor a notável inteligência de um Reinaldo Azevedo. Sim, é inegável, ele é muito inteligente e realmente escreve muito bem. Mas sei, porque meu coração me garante, e porque a realidade salta aos meus olhos cada vez que entro nas minhas salas de aula, que essa inteligência não advoga em favor do povo. E isso é o que mais me entristece. Sinto que estas pessoas são muito mais competentes em fazer valer a sua “política”. A direita trabalha – e isso é histórico, sempre trabalhou – muito melhor. E eu realmente acredito que é por isso que hoje esse país está do jeito que está. Longe de mim vestir o Lula e o PT com um manto de idoneidade e inocência. Muito menos de bondade. Aliás, eles só comprovam o que eu falei logo acima: a esquerda, infelizmente, é muito mais incompetente que a direita. Tanto que eu nem sei se já não se extinguiu.
Num país como o nosso é muito difícil definir em que posição eu me encaixo, pois nenhuma delas faz o que prega. Mas sei que eu estou na posição de alguém que verdadeiramente espera nunca precisar cogitar a hipótese de dar um voto de confiança para a “elite” brasileira. Tomara que eu nunca morda a minha língua.
Ila - 10 de julho de 2006